José de Anchieta

O primeiro andarilho!

Nascido em La Laguna de Tenerife, Ilhas Canárias em 19 de março de 1534 (um ano antes da chegada de Vasco Fernandes Coutinho ao Espírito Santo), filho do basco Juan Lopes da Anchieta, de uma família nobre de Guipuzicoa, e uma nativa de Tenerife, Mência Diaz Llarena, com quem se amancebou, Anchieta foi mandado pelo pai aos 14 anos para estudar em Coimbra. Revelando notável inteligência nos estudos acadêmicos ingressa na Companhia de Jesus, fundada em 1535 por seu primo Inácio de Loiola.

Enviado ao Brasil para a missão evangelizadora e para tratar de uma tuberculose óssea que o afligia – e que o deixou com a postura encurvada, Anchieta aqui chegou em 1553 aos 19 anos aportando primeiro em Salvador e depois rumando para a capitania de São Vicente onde fundou o Colégio de Piratininga, embrião da cidade de São Paulo. Tornou-se o principal catequizador dos índios brasileiros e se valia de recursos teatrais nesse trabalho, o que lhe confere o pioneirismo das artes cênicas nacionais, sendo justamente reconhecido como o fundador do teatro brasileiro.

Há controvérsias sobre o seu papel histórico como colonizador a serviço de uma religião mas o que se ressalta é que por ser filho de uma união informal entre um nobre e uma nativa Anchieta influenciou muito para que a relação entre conquistadores e nativos fosse mais humana e menos ideológica, integrando as raças em vez de segregá-las, como se veria na colonização norte-americana. Chegou mesmo a incentivar o casamento entre portugueses e nativos, coibindo excessos. Deixou a obra literária mais importante do Brasil no século XVI, composta de cartas, poemas e autos.

Além de fundar São Paulo e Niterói, Anchieta construiu as casas de Misericórdia do Rio de Janeiro e Vila Velha, as igrejas matrizes de Rerigtiba e Guarapari, fundando no Espírito Santo as cidades de Rerigtiba (hoje Anchieta), Guaraparim (Guarapari) e São Mateus. Pode ser considerado o primeiro cientista brasileiro, tendo descrito a função da bolsa dos marsupiais, os canais e glândulas de veneno das serpentes e classificado o tapir, ou anta, entre os equinos. Realizou obra notável nas áreas de ciências naturais, linguística, tendo escrito a primeira gramática tupi-guarani para facilitar o trabalho de evangelização dos colegas, diplomacia, antropologia, arquitetura e artes. Chefe de guerra, nomeou Tibiriçá capitão e junto com os Goitacazes marchou contra os Tamoios expulsando-os para Iperoig (hoje Ubatuba) onde depois se apresentou e permaneceu como refém para negociar a paz, ocasião em que compôs seu famoso poema em homenagem à Virgem Maria, com seis mil versos escritos na areia. Junto com Araribóia, um guerreiro temiminó de Vila Velha, combateu os franceses no Rio de Janeiro, expulsando-os em 1567. Sua ação estendeu-se do litoral de Pernambuco até São Paulo. Atraído pelo aspecto ameno de Rerigtiba, ao que se supõe por evocar-lhe sua Laguna de Tenerife, escolheu essa vila do Espírito Santo para viver os últimos dez anos de sua vida expirada em nove de junho de 1597.

Nessa fase final percorria habitualmente à pé, já que o problema na coluna impedia-lhe a montaria, o trecho entre Rerigtiba e o Colégio de São Tiago onde serviu alguns anos como Provincial do Brasil. Nas suas andanças pelas 14 léguas entre Rerigtiba e Vitória adiantava-se na caminhada mesmo aos mais vigorosos guerreiros índios que, por isso, o denominaram Abará-bebe (padre voador) e Caraibebe (homem de asas). Nesse percurso se encontram os registros de feitos extraordinários que lhe conferem uma dimensão mítica. Os cronistas da época descrevem-no como de corpo pequeno e mirrado, fisionomia morena, trato agradável, aspecto de velha, pequena corcunda, olhos vivos e perspicazes. Um grande homem do seu tempo.